
Ministro tatuiano Celso de Mello.
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Nesta sexta-feira (22), o ministro Celso de Mello, relator de inquérito em que figuram como réus o presidente Jair Bolsonaro e o ex-ministro Sérgio Moro, ajuizado pela Procuradoria Geral da República (PGR), no Supremo Tribunal Federal (STF), liberou um vídeo de uma reunião ministerial realizada no dia 22 de abril (Descobrimento do Brasil), no Palácio do Planalto.
Logo após a abertura do sigilo do vídeo, o presidente Jair Bolsonaro disse nas emissoras de televisão que o vídeo era secreto e que a divulgação era responsabilidade “do Celso de Mello”. No entanto, a decisão do ministro mostra que nada havia de secreto e muito menos misterioso. Sentencia o ministro do STF que. “Em suma: ao assistir ao vídeo em questão e ao ler a transcrição integral do que se passou em referida assembleia ministerial, que não foi classificada como ultrassecreta, secreta ou reservada (Lei nº 12.527/2011, arts. 23 e 24), constatei que, nela, parece haver faltado a alguns de seus protagonistas aquela essencial e imprescindível virtude definida pelos Romanos como “gravitas”, valor fundamental de que decorriam, na sociedade romana, segundo o “mos majorum”, a “dignitas” e a “auctoritas”. Estender-se o manto do sigilo aos eventos que só a liberação total do vídeo seria capaz de revelar implicaria transgredir o direito de defesa de referido investigado, que deve ser amplo (CF, art. 5º, LV), além de sonegar aos eminentes Senhores Ministros do Supremo Tribunal Federal (CF, art. 102, I, “b”), aos ilustres Senhores Deputados Federais (CF, art. 51, I) e aos protagonistas deste procedimento penal o conhecimento pleno de dados relevantes constantes da gravação em referência, vulnerando-se, frontalmente, desse modo, o dogma constitucional da transparência, instituído para conferir visibilidade plena aos atos e práticas estatais”.
Espiões nos Ministérios – O trecho não divulgado mostra na reunião, que o presidente Bolsonaro fala de pretenso plano da China de dominar o Brasil, envolvendo-se nos negócios do País. E que o serviço secreto chinês teria agentes infiltrados nos ministérios. Pelo que Bolsonaro disse ter lido em algum lugar, espiões chineses estão trabalhando para entrar em licitações com o intuito de comprar “nossas empresas”. Continuando, o presidente diz que se o comprador das “nossas empresas” fosse o Paraguai seria fácil tomá-las de volta. Mas, no caso da China — grande comprador de soja, carne e minério brasileiros —, a dificuldade seria bem maior. Outra menção ao Império do Meio, também suprimida, é de uma fala do ministro da Economia. Ao dizer que a China deveria lançar um novo Plano Marshall (plano de recuperação econômica da Europa, patrocinado pelos Estados Unidos, após a Segunda Guerra), Paulo Guedes atribuiu ao país a causa da pandemia, como algo premeditado”.
A REPERCUSSÁO DA DECISÃO E DO VÍDEO
A repercussão do famigerado vídeo foi estrondosa nos veículos de comunicação e todos os quadrantes do Brasil. Gente horrorizada. Gente brava. Bolsonaristas com os nervos à flor da pele. Deu de tudo nas últimas 24 horas. Enquanto isso, no Brasil a pandemia da Covid-19 avança e passa de 20 mil mortes.
No entanto, O que pode abstrair desta ação, proposta pela Procuradoria Geral da República (PGR), é que o “Trem-Brasil” está desgovernado. O Governo Federal, insatisfeito com essa exposição midiática, recorrer até ao general da reserva Augusto Heleno, que no inverno de sua existência, assina um documento, sem nenhum nexo e sem fato real – apreensão do celular de Bolsonaro – para ser desmentido pelo Supremo Tribunal Federal (STF), extrapola o desconhecimento dos fatos.
Trecho da decisão do ministro Celso de Mello, serve para reparar o equívoco do general Heleno. Decide o ministro que “É por essa razão que os atos de investigação ou de persecução no domínio penal traduzirão, em tal contexto, incontornável dever jurídico do Estado e constituirão, por isso mesmo, resposta legítima do Poder Público ao que se contém na “notitia criminis”, ainda que figure na condição de investigado a pessoa do próprio Presidente da República”.
GRITANTE GRAU DE INCIVILIDADE
No decorrer de sua decisão, o ministro Celso de Mello sentencia que ‘Havendo assistido à exibição integral do vídeo contido na “mídia” digital em questão, constatei, casualmente, a ocorrência de aparente prática criminosa, que teria sido cometida pelo Ministro da Educação, Abraham Weintraub, que, no curso da reunião ministerial realizada em 22/04/2020, no Palácio do Planalto, assim se pronunciou em relação aos Ministros do Supremo Tribunal Federal, conforme consta da degravação integral do vídeo procedida pelo Instituto Nacional de Criminalística da Polícia Federal (Laudo nº 1242/2020-INC/DITEC/PF):
Íntegra das palavras de Abraham Weintraub
“Tem três anos que, através do Onyx, eu conheci o presidente. Nesses três anos eu não pedi um único conselho, não tentei promover minha carreira. Me ferrei, na física. Ameaça de morte na universidade. E o que me fez, naquele momento, embarcar junto era a luta pela… pela liberdade. Eu não quero ser escravo nesse país. E acabar com essa porcaria que é Brasília. Isso daqui é um cancro de corrupção, de privilégio. Eu tinha uma visão extremamente negativa de Brasília. Brasília é muito pior do que eu podia imaginar. As pessoas aqui perdem a percepção, a empatia, a relação com o povo. Se sentem inexpugnáveis. Eu tive o privilégio de ver a… a mais da metade aqui desse time chegar. Eu fui secretário-executivo do ministro Onyx. Eu acho que a gente ta perdendo um pouco desse espírito. A gente tá perdendo a luta pela liberdade. É isso que o povo tá gritando. Não tá gritando pra ter mais 43 Estado, pra ter mais projetos, pra ter mais… o povo tá gritando por liberdade, ponto. Eu acho que é isso que a gente tá perdendo, ta perdendo mesmo. A ge… o povo tá querendo ver o que me trouxe até aqui. Eu, por mim, botava esses vagabundos todos na cadeia. Começando no STF. E é isso que me choca. Era só isso presidente, eu… eu… realmente acho que toda essa discussão de ‘vamos fazer isso’, ‘vamos fazer aquilo’, ouvi muitos ministros que vi… chegaram, foram embora. Eu percebo que tem muita gente com agenda própria. Eu percebo que tem, assim, tem o jogo que é jogado aqui, mas eu não vim pra jogar o jogo. Eu vim aqui pra lutar. E eu luto e me ferro. Eu to com um monte de processo aqui no comitê de ética da presidência. Eu sou o único que levou processo aqui. Isso é um absurdo o que ta acontecendo aqui no Brasil. A gente tá conversando com quem a gente tinha que lutar. A gente não tá sendo duro o bastante contra os privilégios, com o tamanho do Estado e é o… eu realmente tô aqui de peito aberto, como cês sabem disso, levo tiro…
odeia… odeio o partido comunista (…). Ele tá querendo transformar a gente numa colônia. Esse país não é… odeio o termo ‘povos indígenas’, odeio esse termo. Odeio. O ‘povo cigano’. Só tem um povo nesse país. Quer, quer. Não quer, sai de ré. É povo brasileiro, só tem um povo. Pode ser preto, pode ser branco, pode ser japonês, pode ser descendente de índio, mas tem que ser brasileiro, pô! Acabar com esse negócio de povos e privilégios. Só pode ter um povo, não pode ter ministro que acha que é melhor do que o povo. Do que o cidadão. Isso é um absurdo, a gente chegou até aqui. O senhor levou uma facada na barriga. Fez mais do que eu, levou uma facada. Mas eu também tô levando bordoada e tô correndo risco. E fico escutando esse monte de gente defendendo privilégio, teta. Tendeu? É isso. Negócio. Empréstimos. A gente veio aqui pra acabar com tudo isso, não pra manter essa estrutura. E esse é o meu sentimento extremamente chateado que eu tô vendo essa oportunidade se perder. Eu sou, evidentemente, eu tô no grupo dos ministros que ta mais ligado com a militância. Evidente, porque eu era um militante. Eu tava militando de peito aberto, continuo militando. Do ponto de vista de carreira, eu poderia ter quem… tentando me dar bem. Não foi isso que eu fiz. Não foi isso que eu fiz. Sei que isso daqui é um palácio, existem intrigas palacianas – estou sendo muito franco. E a gente pode sim perder a liberdade, perder esse país. Ninguém vai se dar bem se a gente perder esse país. Quem vai se dar bem são poucos, pouquíssimas famílias. Pouquíssimas famílias. Não se iludam. Não se iludam. Era isso.” (grifei)
MINISTRO FAZ UM DESAGRAVO
Na dcisão, em relação ao pronunciamento do Ministro da Educação, transcrito na íntegra na decisão, assim o ministro Celso de Mello se manifesta: “Essa gravíssima aleivosia perpetrada por referido Ministro de Estado, consubstanciada em discurso contumelioso e aparentemente ofensivo ao patrimônio moral dos Ministros da Suprema Corte brasileira (“Eu, por mim, botava esses vagabundos todos na cadeia. Começando no STF”) – externada em plena reunião governamental ocorrida no próprio Palácio do Planalto, que contou com a presença de inúmeros participantes – , põe em evidência, além do seu destacado grau de incivilidade e de inaceitável grosseria, que tal afirmação configuraria possível delito contra a honra (como o crime de injúria).
CONTINUA TRÂMITE DO INQUÉRITO
Após finalizada esta etapa do vídeo e o trabalho da Polícia Federal no desempenho de seu trabalho independente como polícia de estado, o inquérito tem prosseguimento. Na próxima etapa, consta a inquirição dos delegados citados e de eventual desdobramento das acusações feitas por Paulo Marinho, ex-aliado de Bolsonaro e o suplente de Flávio Bolsonaro no Senado. E o presidente da República deverá ser ouvido no inquérito, acompanhando o trabalho o advogado de defesa de Sérgio Moro. Pessoas que militam na área do Direito, na decisão do ministro não se vislumbram elementos que possam comprometer a conduta de Sérgio Moro, uma vez que seu desabafo na despedida do cargo não configurou ofensa ao presidente
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